5.1.09

Aquele ali no canto tem um remorso do tamanho do mundo carregado entre os olhos. As sobrancelhas fartas não escondem bem o jogo, seus dedos não cansados de tamborilar o topo da mesa de metal barata, não reagem a sua falta de respiro. Parece em estado de total infertilidade mental mesmo concentrado. Em que? De certo em nada, ou em seu remorso enfartado que de graça o tira o fôlego - aquele! - que nunca parece retornar ao seu ser. Ele tinha um plano, e esse o enforcou sem que tomasse conhecimento. Ouvia Beatles e John era o seu preferido, gostava da canção Imagine, porque dizia com o peito ceio que era o seu "hino"... Ah, gostava de pintar. Sua ex-mulher ainda tem muitos de seus quadros, todos com motivos hippies e "tie-die" no porão da casa onde moravam, casa herdada pela família dela que os sustentaram por todos os seus anos felizes, aqueles que ele havia esquecido. O remorso recontava os dias. Quanto tempo estaria vivo sem viver pelo o que havia planejado no início? Não sabia. Os dedos continuavam e a pressa para se alcançar qualquer ritmo definhava com a noite que caía. Era de plástico, - pensava - aquele copo era de plástico. Enquanto eu o observava me restava uma dúvida: teria ele a consciência de tamanho remorso?


***

Dois passos haviam sido dados, de frente para o seu carro parado na calçada enquanto os últimos flocos de neve caíam sobre seu cabelo. A luz forte que iluminava a rua não vinha da lua. Bang. Gritos sem rosto. Um rapaz com um capuz corria na direção contrária do fluxo, o homem que ouvia Bealtes e pintava quadros enquanto sua ex-mulher vendia camisetas na praça caía duro sobre o capo, em sua mão direita uma carta de resignação do cargo alto que ocupava há mais de dez anos na maior máfia organizada já vista em ação no mundo. Sua consciência fluiria livre novamente, se o destino não fosse tão irônico.