27.2.09

é hoje...


Não. Você não entendeu errado, aqui quem fala sou eu, o seu pior pesadelo.


Pausa.

Dois tempos.

Hein?

É isso que você ouviu. Eu voltei, vim pegar minhas taxas com juros, lembra? Vim cobrar pelo começo meio, e fim, e tudo que ficou entre as linhas.

Pausa.

Do que você está falando?

Estou falando da falta de tato, cuidado, da falta de clemência. Cobro com juros, juros que não pedirei em moeda de país algum. Eu que sempre fui tão internacional. Eu, que sempre fui tão arrasadoramente tempestuosa, eu que sem medo, sempre fui cheia de, e com razão soube durante cada uma de suas resistentes armações que o dia chegaria, eu que...

Pausa.

Então sem moeda que me cubra do que pede, o que devo eu fazer a não ser rezar?

Não faça isso!

Farei o que então?

Rezar nunca! Não há deus nem santo nem anjo que te ouça daqui...

Daqui?

É.

Onde é aqui?

É exatamente onde se paga, com sangue. Com dor e remorso, com o terror que antes pairou sobre mim, sem nenhum eco que o reconheça.

Isso não passa de um jogo para me amedrontar.

Isso e mais.

Pausa.

Mais?

Sim.

O que mais você poderia querer?

Quero seu tudo, quero o que está em você, podre, verde e gosmento, quero essa massa assim tão bem trabalhada pela sua eterna ignorância e vontade indiscriminada de sempre ter aquilo que não te pertence. Quero que essa sua prece engarrafada, enlatada, presa não só na garganta inflame. Crie gangrenas, poças de sangue velho e enferrujado, doente. Quero que assim que comece a sentir a dor presa no peito, esse céu desabe com mais esporas do que beijos e te seque ainda mais o choro, as lágrimas - sei bem - não o ajudarão a lidar com nada disso. Entendes?

Pausa.

Entenderás. Ouça o que eu digo, entenderás. Virá até a mim e pedirá por perdão e antes tarde do que nunca o perdoarei mas sem tirar de suas feridas os cravos enfiados por mim mesmo no caminho para o fim.

E quando será isso?

Logo, meu caro. Logo.



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A Alice não se responsabiliza por desventurosas interpretações desse texto, nem se preocupa em explicar absolutamente nada. Ela tem dito.



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26.2.09

novo capítulo...


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23.2.09

só isso



"Do you really think it is weakness that yields to temptation?
I tell you that there are terrible temptations which it requires strength,
strength and courage to yield to"

Oscar Wilde





Pois bem, ele esperava. Gostava que fosse assim, tudo ao seu tempo. Escondia alguma ansiedade, afinal aprendera a lidar com ela cedo, antes do que qualquer um que conhecia. Tinha algo escondido por detrás do olhar que nem ele mesmo sabia. Colocava os óculos, precisava reler alguma observação que colocara na última página do roteiro, ou melhor eram duas, duas as observações. Se sentia bem ao reler cada palavra, pensava que ela gostaria de saber aquilo, mas e se não gostasse? Será que perderia a vontade de continuar com o projeto? A ansiedade voltava. Ele parava. Tomava mais um gole. Uma batida lá fora, ambulância, aglomeramento rápido, ineficaz. "Todos parecem bem", relia. A página que mais gostava voltava a dar vida a cor dos olhos por detrás das lentes. Relógio e ansiedade não combinavam, não deveria ter chegado tão cedo mas fazer o que? Tinha medo de chegar atrasado e logo ela estaria ali...

"...Oi?"

Erguia a sobrancelhas como se estivesse diante do inimaginável.

"Oi!"

Ela sorria e ele sabia, "era exatamente você que imaginei a minha frente...".


Ele pediu que sentasse e abriu o sorriso mais contente já sentido. O som lá fora confirmava, outro acidente no cruzamento.


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22.2.09

"I got to admit it's getting better...

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it can't get no worse..."*





Alemanha, Vietnã, Somália, Sudão, Nicarágua, Brasil. Lugares diferentes, épocas diferentes, sangues de gosto e tipos diferentes todos derramados pelo mesmo motivo. Nada muda, tudo parece só piorar...





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*Getting Better - Beatles.





20.2.09

mais brancos do que alguém pode aguentar


esses são os rapazes de um grupo não muito popular e por isso amado por todas as camadas populacionais mais "cults" dos Estados Unidos - se é que podemos chama-las disso. o nome deles? The Whitest Kids U'Know. sim. com apóstrofe em um U que representa a palavra YOU. porque moleque que é branco e quer ser "cool" tem que fazer um troço desses. eu adoro. fui a um show deles segunda-feira aqui em Denver e me lembrei como eles são absurdamente o que a molecada que os via é: um bando de inúteis! e o melhor: eles fazem aqueles mesmos objetos de suas sátiras rirem do que fazem no palco! é pra procurar no youtube, garanto que não é bom e é por isso que é.

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"There is no love that is not an echo."

T. Adorno.




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18.2.09

particularidades - convidada pelo expressodalinha

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Respondo por meio deste, o desafio a mim entregue pelo
expressodalinha, deixando seis de minhas características/particularidades impressas nesse humilde porém estranho blog, fazendo desta maneira com que quem me lê não queira me ler nunca mais! Vamos lá...

1- Sou extremamente antisocial. Não gosto de comer com gente, falar com gente, passar tempo com gente e muito menos de... gente! Tenho verdadeiros calafrios ao imaginar-me rodeada por... gente. Não chega a ser uma síndrome nem qualquer doença modernosa que os papagaios de plantão inventam, mas que eu tenho um certo problema em me ver rodeada de olhos, isso eu tenho.

2- Escrevo porque preciso viver mais, não porque vivo menos. Escrevo porque vivo o que escrevo e tenho a leve impressão de que nunca vou transmitir exatamente aquilo que quero e creio que isso se deve ao fato de eu não querer transmitir p*rra nenhuma pra ninguém.


3 - Eu falo mais palavrão do que deveria e não me importo.

4- Sou doente por café e chocolate. Sim. Viveria disso e não me importa quantas vezes ouço que isso não é dieta que se preze.

5 - Sou uma eterna apaixonada e não no sentido brega da palavra. Sou fervorosa até o fim ou fria até não poder mais e nunca me encontrei num estado morno. Acho que o morno não foi inventado quando meu molde saiu

6 - Sim. Eu piro com os "Hollywood Stars" e não tenho absolutamente medo nenhum de admitir, agora pedir autógrafo? NEM QUE MEU BRAÇO CAIA E O MUNDO VIRE UMA BOLA DE FOGO!

É isso...

Pra quem eu passo a bola? NÃO SEI! Pra quem quiser! Quer? Continue então...


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17.2.09

what josh said in 2007 - no teen idol


"United States let Bin Laden skate because the war on terror needed a villain. The Bush administration is probably the most successful robber barons in the history of the world..."


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e o holofote continua em sujeitinhos com o sobrenome Cruise ou Pitt no lugar de um sujeito desses, vai entender!


14.2.09

tertúlias - fevereiro, tema: TEMPO.


para ir ao site das tertúlias, clique aqui.


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tema difícil esse...




por uma razão: não sei "ver", "sentir", "tocar", "cheirar" o tempo. para mim tempo é realmente algo inventado, um nome dado a tudo aquilo que não entendemos, uma rachadura na parede tapada com algum gesso. o tempo é o gesso. a massa falha. a visão que desacostumada a procurar, se assenta em um sofá confortável no canto lendo seu livro... esse é o tempo.

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e é por causa dessa confusão em minha cabeça - confusão essa que me é bem clara - que eu não posso falar muito mais do que apenas mostrar algo a quem me lê. escolhi essa capa da revista TIME do "tempo" em que a música morreu...






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13.2.09

fragmentos, diário - 19 de janeiro de 2009




"Bom, hoje é feriado nos EUA, Martin Luther King Jr. day. Que engraçado. Todos comemoram a vida e a batalha de um homem que morreu por acreditar na raça humana enquanto essa mesma raça continua a se matar, a matar irmãos e irmãs em humanidade não só pela cor de suas peles mas também pela cor de seus sonhos.



Como tudo que existe, pura hipocrisia.

Eu to num desânimo que chega a ser físico hoje. Espero que passe. Penso em um limbo que acho eu, não me pertence. Estou com pressa."


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imagens: eu mesma.
texto: eu mesma.
diário: meu mesmo.


12.2.09



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Tem imagens novas AQUI.


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11.2.09

porque a alice desaparece?



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-porque ela cansa.

-do que?
-de escrever pouco.
-então no blog não da pra escrever muito?
-não.
-porque?
-porque o blog é blog.
-sim, e daí?
-ela quer escrever muito.
-muito como o que?
-muito como varias histórias.
-e porque?
-ai, para de perguntar.
-não posso?
-não.
-então tá.
-ela quer só ter tempo.
-tempo? não to perguntando nada...
-é, sei sei, eu vi.
-ok.
-tempo, entende? precisa de tempo.
-hmmm
-ela precisa de um dia ou dois pra estar familiarizada com ela.
-estranho.
-sim...
-então tá.
-não vai perguntar mais porque?
-não.
-então está bem.
-ok.
-passar bem.
-idem.


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8.2.09

que conselho terrível...


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"Be honest with yourself and lie to everyone else."




mas vindo dele, tudo bem.... :)


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7.2.09

"o nome da cidade cujo nome ache o mais bonito entre todos os nomes de cidade que você conhece."


Los Angeles
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Os anjos. Mandados de quem? Ninguém. Observando, protejendo quem? Ninguém. Cantando, rezando, logrando, pedindo por quem? Vivendo, voando, amando, esperando, querendo por quem? Ninguém, ninguém, ninguém e ninguém. Nas poucas cores, nas cabeças ocas, nos olhos secos, peitos feridos, nas mãos vazias, nos arranha-céus perdidos... nos morros pouco escondidos, nas vidas sempre alheias, entre os céus de um intenso azul e as copas das árvores mais verdes enfileradas pela Sunset, nos ombros duros, nos braços fracos e esburacados, nos sonhos rolando pelo concreto mais cinza que há, eles correm. Sem vontade, sem amor ou respeito, sem tempo, os anjos pecam. Na falta de beleza, na falta de realeza, na abundância de uma fortaleza de papel, espreitam. Por seus cantos escuros alguns alcançaram um mundo inteiro com seus tons quase quentes e para lá voltaram sem esperança ou fim... Alguns acabaram parando por lá, tentados e tão arrasados quanto vazios e prontos para o grande nada chegar, sem qualquer alarde, qualquer brilho no olhar... É lá que fica uma parte de mim. Morta. Redonda. Irreal... É nesse nome que pensam quando se espera por nada e se recebe tudo. Tudo de mais triste, de mais desumano vem de lá. Tudo que é morto e vive, pedindo por mais vem de lá.

E enquanto o sol se põe -- no seu porto certo -- muitos mortos-vivos quietos esperam pela hora que manterá suas almas já perdidas em algum pedestal, eternamente numa praia chamada Malibu, ou num morro chamado Hollywood...



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Même enviado por Papagaio Mudo.




Regras:

1. Escolher o nome da cidade, atual ou da antiguidade, cujo nome ache o mais bonito entre todos os nomes de cidade que você conhece.

2. Postar uma foto dessa cidade

3. Escrever algo, ou alguma referência sobre a cidade escolhida.

4. Indicar três pessoas para fazerem a mesma coisa.



Meus indicados:

Todos aqueles que lêem o meu blog!




Boa sorte!



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imagem: Garry Winogrand, 'Los Angeles, California', 1969.

5.2.09

jezebel



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não posso ver foto do Dexter Gordon novinho com seu sax no colo, não posso querer tornar meu o que nunca será, nem menos assumir o mesmo olhar que muitos derramaram sobre os mesmos. não posso querer o mundo azul que vivo sendo que nem sei se vivo, não sabendo que vivo não sei se estou e sem saber que estou não posso saber. sem querer me pego querendo olhar com tamanha indignação que o próprio ato de dramatizar o peso que os olhos tem tomam o outro de um arrependimento profundo e senil, tão intenso que de um em um, salvaria a humanidade de si mesma. será? não posso nem pensar, me desorganiza. tudo vira nada e eu quero tentar, só pra descobrir no fim que não vai dar em nada.


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porque a gente precisa ouvir denovo, novamente e mais uma vez... parte 5

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"A harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está feito mas o que tortuosamente ainda se faz. Minhas desequilibradas palavras são o luxo do meu silêncio."

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Foto tirada daqui.


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4.2.09

a devoção segundo consta... - erro




estremeci de extremo gozo como se enfim eu estivesse atentando à grandeza de um instinto que era ruim, total e infinitamente doce - como se enfim eu experimentasse, e em mim mesma, uma grandeza maior do que eu. -Clarice Lispector










... Me perdoe, não posso ficar. -- Era certo que entenderia. Entenderia? Eu teimo em responder minhas próprias perguntas, mas é por hábito entende? Como se um grande vapor qualquer fizesse difícil a tarefa de dividir. Umcalorzinho bem único que naquela sala profeta, cansaria de me desunir, de me entregar tão facilmente a alguém que de certo modo nunca me teve. Era parte de mim e uma anomalia, seria bom mas... constantemente sem realce pois era eu e não era. Um alguém encontrado na rua, como lixo, virado em folhas de histórias em comum, de vontades semelhantes, de senhas e lábios ímpares. Eu cresci junto dele mas não poderia ficar. Logo me veio uma ideia, algo que retomou minha atenção: pensei em quantos passos dava da escola até minha casa. Eram muitos, não me lembrava bem quantos. Um rapaz qualquer havia acabado de perder suasestribeiras na rua, corria de dentro de um restaurante próximo a quadra cheia de casinhas simples, o tal do morrinho onde vivia, gritando coisas quase incompreensíveis, dizendo que o disco riscado o obcecava. "É o fim dos tempos, dos tempos! Ninguém mais ouve? É o fim dos tempos", com seus olhos diante da ruína que seu mundo não suportou, perdi minha conta e os números que, por alguma razão ofuscavam meu entendimento reagiram a tamanha negação vindo de minha atenção que até então era plena. Reagiram firmemente, como um general das tropas inimigas. Trégua! Pedia em prantos, mas os números não ouviam, continuavam a me perturbar bêbados, um grupo deinsones a me distrair, aceitei mas nunca me recuperei daquilo, da onda fúnebre que aquilo me jogava contra. E o homem fora de si? Não notei. Não sei onde foi parar e bem sei que não me preocupo. Se minha loucura nunca foi tomada como algo a ser pesquisado e levado ao publico, não deveria me preocupar com a de outrem. Ou é o que qualquer coisa que fosse meu instinto me contava ao pé do ouvido, como um sopro fino, irreconhecível a não ser para mim mesma. Voltava aos olhos tristes de Luí, "como assim?", eu tenho algumas coisas para fazer, "bobagem", pare de repetir a mesma coisa Luí , "eu não repito, você que repete as mesmas coisas indecisas, retrógradas, mornas... para que você quer ser morna, me diga. Pra que?". Me encarava com culpa e alguma raiva nos olhos quase afilados, deixava, "me dê um dia", pra que? "pra te provar", mas o que você quer dizer com isso? "é isso mesmo, pra te provar que desse fundo não há saída", e o que devo dizer a quem me espera?, "que não diga nada, não perca tempo com palavras soltas, com meias mentiras, com fino trato... seda rasgada, com redundâncias, com visões eloquentes, com toques...", mas não é nada disso que preciso para manter minha vida lá fora possível, "então do que é? do que poderia ser?" ... "não vai me responder?", não sei o que te responder,Luí , "é porque não tem nada que te segure lá, nessa roda gigante de restrições, o mundo é do jeito que é por um motivo: somos o seu maior medo". Calei-me. "Cansou?" de que? "de tentar me convencer a deixar você sair... " talvez. O sol naquele mesmo instante foi capaz de um grande ato de nobreza, seus tons quase envenenados desapareceram. A fraca e esbranquiçada chama que ainda pairava dentro daquele quarto esticava o poder deLuí sobre mim, aceitei. "E agora me diga, acha mesmo que fui eu quem te fiz perceber o que acabou de acontecer?" - um trago daquele cigarro fazia com que seus olhos estremecessem sem razão - não, "não?", fui eu mesma. Calou em um sim. O sim dilacerado no sorriso hermético. Dentro dos seus braços eu fiquei enquanto o cigarro queimava em uma de suas mãos, "o sol," o que que tem? "o tenho em minhas mãos".


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3.2.09

é fato


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Não interessa, ninguém me tira isso da cabeça mas só quem tem alguma paciência percebe as pequenas verdades entremeadas nas palavras (não) soltas que esse ser exala. Eu, que já tive muita paciência e achava que não tinha -- pouco a pouco vou perdendo isso (ou achando que perco) -- já ouvi tantas que estou treinada, capto no ar antes da palavra sair. Ele tem o mundo nas mãos.




"for every tool they lend us... a loss of independence"

E.V. - Grievance do album BINAURAL



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2.2.09

fazendo compreender



tenho certos problemas em desatar nós. reunir desventuras, esclarecer casos, retardar o desentendimento, porém sou ótima quando o assunto é desavisar a mim mesma, retomar caminhos perdidos por medo de talvez usar o facão e cortar a mata a dentro -- não literalmente. tenho pequenos sonhos sem pé e muitas vezes sem metade da cabeça, fazendo com que tudo seja um pouco mais... emocionante: aqui dentro. se eu pelo menos soubesse contar, cortaria os defeitos pelo meio, nunca pela raiz, ela é sempre o que dá espaço para se sentar e pensar, é o cômodo confortável na hora de se erguer as pernas e pensar no nada. eu tenho pressa sempre e não sei pra que. tenho olhos doídos e não sei porque. tenho medos que no fundo sei, que não passam de história pra boi dormir e teimo em manter-los em segredo, mas não sei com que finalidade. é por isso que às vezes, preciso de mim e mais nada. de danos sem reparos, obrigada.


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1.2.09

momentos inesquecíveis (alice sendo melancólica) parte 13



McCarthy: The final measure of bravery is to stand up to death.

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McCarthy, personagem interpretado por Marlon Brando no filme escrito, produzido, dirigido e estrelado por Johnny Depp. Um dos filmes mais simples e fortes que já vi.


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a devoção segundo consta... - mais e mais...



Mas ali o sol não parecia vir de fora para dentro: lá era o próprio lugar do sol, fixado e imóvel numa dureza de luz como se nem de noite o quarto fechasse a pálpebra. - Clarice Lispector









ogo
o dia nasceria -- estremeceu Luí em tom de pressa. "Precisamos chegar lá logo", e lá seria onde Luí?, "onde quero te levar". Por um momento rápido Luí me irritara profundamente. Teria me jogado de lado, me deixado sem saber realmente o que fazer agora, afinal eu tinha uma vida. Fora dos muros dessa liberdade gratuita morava uma mulher cheia de casos e contas a pagar, histórias frívolas eretangulares cobrindo quem quer que eu fosse. Logo precisaria estar em algum lugar, marcando a data e hora de alguma forma, mas Luí calmo e febril me acanhava as demências. Me julgava incapaz de larga-lo, e eu era. Segui seus passos como se segue a uma religião tenebrosa qualquer, como quem pede por clemência. Impaciente ele debruçava sobre pontes, pulava pequenasmuretas e atravessava as pequenas ruelas sem nem notar se havia algum automóvel ou motocicleta se aproximando, me consumia a ansiedade. O Sol se preparava para entregar o seu manto a mais um dia e eu fervia, o casaco pesado já não adiantava mais. "Disse que não precisava disso", e continuávamos a correr. Logo precisaria de algo para beber, "água?" não, "então o que?" Café.


***

Os primeiros raios colaram seus hálitos matinais às grandes pedras que monumentalmente conduziam esses dois marginais pelas muralhas daquele local. Seguíamos calados. A mão que não parava de transpirar segurava a minha firme, me acalmava enquanto subíamos os degraus um por um, emitindo qualquer coisa como o som de cansaço e delírio devem ser. Pronto. "Pronto, tire os sapatos", pronto. A porta se abriu com a chave queLuí tinha presa em uma corda envolta do pescoço perfumado. Seus dedos longos passaram pelo cabelo uma última vez enquanto com a outra mão empurrava aquilo que parecia uma pesada porta de madeira antiga, como antigo tudo parecia onde estávamos. "Isso aqui é meu, pelo menos é o que diz a lei", as imensas janelas que antes haviam sido a única entrada de ar e brilho daquele edifício que outrora servia à devoção de quaisquer que fossem os santos da época, estavam todas abertas, o chão era coberto por um imenso tapete colorido,Luí largou seus sapatos ao lado da porta e mostrou onde eu deveria largar meu casaco e cachecol, o único móvel era uma peça que se parecia com um colchão, mas não tinha um formato muito compreensível. Pelo chão instrumentos e papéis, livros. "Não me canso desse lugar", eu também não me cansaria, "pois é seu também e espere, o sol está para surgir", foi quando me calei. Como um caso divino, algo como uma série de acontecimentos irracionais, a luminosidade que não era pouca entrou por todas as janelas daquela sala circular, como se a estrela mais poderosa do nosso sistema tivesse pouco prazer em entrar só por um lado, ela queria mais. Queria abraçar com seus tentáculos de calor cada entrada, prender seu intruso favorito em um salão de fulgor onde ninguém entraria ou sairia, era o que mais se assemelhava a algum poder divino e aquilo queLuí retratava em sua figura, sua pele parecia refletir o que sentia e seu corpo parado absorvia cada fio etéreo, cada palavra silenciosa. Eu me assemelhava a uma ave que presencia o indivisível e sem ter suas asas para voar aprende a calar em um canto, se redimindo diante de tamanha felicidade. O que se sente é o que se vê.Luí tinha me deixado ver enquanto as janelas se arrebentavam em luz. Eu deixei acontecer, como se quisesse permitir entrada àquele intruso que ainda mais próximo dessa grande e imensa e nula presença que era a minha deixaria com que eu me tornasse um. Não resisti. Logo o clarão seria mais ameno, assim que nos acostumássemos com a verdade. Esse tempo viria de braços abertos enquantoLuí sorria para mim, "venha, venha cá", eu fui para perto cuidando para que meus pés não pisassem sobre nada precioso, "fique comigo só hoje, só hoje, eu te peço." A pele já não transpirava mais, eu diria que sim com o olhar e ele fecharia meus olhos com um beijo em cada pálpebra, os lábios - aqueles que me encantavam - sabiam sonhar.


***