23.10.10

je te raconterai l'histoire de ce roi...


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Jacques Romain Georges Brel era um garoto franzino com mãos grandes e orelhas maiores ainda. Sua capacidade de demonstrar qualquer tipo de dor enquanto homem diante de um microfone era tão grande, que a mera menção de seu nome causava desconforto entre os ianques reis do palco... 

Sua voz nunca se fez popular no mundo azul e vermelho da América deles, mas se fez popular o bastante na sala de estar de outra América, uma mais verde e amarela, uma mais simples que a deles. Ne me quitte pas, ne me quitte pas... implorava o rapaz das orelhas grandes num sistema de som adquirido no Texas, Estados Unidos da América no apartamento da mamãe sobre uma farmácia qualquer da grande capital do Estado de São Paulo... ne me quitte pas... moi je te t'offrirai des perles de pluie venues de pays où il ne pleut pas...

Mamãe cantava junto com olhos distantes e emocionados.

Ele tinha meu coraçao apertado entre os seus dedos grosseiros bem antes, enquanto pronunciava 'le coeur du bonheur'...


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6.10.10

'The Town', Ben Affleck, Rebecca Hall e o amor disso tudo


'it's gonna be like one of my sunny days...'
claire no filme 'the town'


Fazia um bom tempo que eu não conversava com vocês a respeito de absolutamente nada tangível, muito menos a respeito de um filme (nada tangível também, por sinal). Pois hoje eu preciso. É praticamente uma questão de honra mas muito além da honra, é uma questão de respeito. Respeito por aqueles que eu tive a paciência e a sensibilidade de ver sob outra luz, uma luz um pouco mais aguda do que uso continuamente. Pelo menos hoje, pelo menos nos últimos tempos, eu tenho deixado certas portas (e janelas) absolutamente escancaradas. 

Pois, vamos nessa. 

Ben Affleck foi sempre carinhosamente (talvez nem tanto) chamado de Bunda Affleck por moi. Seu grande pecado? Ter namorado a bem grande bunda 'en route' e errada da Jennifer Lopez. O problema com isso? Todos. Quem pode em sã consciência pensar que fazer parte da febre popular norte-americana conhecida como 'Bennifer' vai fazer com que sua imagem ganhe qualquer coisa parecida com integridade? Só um louco pra pensar isso... Só um louco pra não se importar... Só um louco pra reconhecer o outro...

Enfim. 'The Town' é um filme dirigido por Ben Affleck, estrelado por Ben Affleck, roteiro de Peter Craig, Aaron Stockard e... Ben Affleck (!) baseado no livro 'The Prince of Thieves' de Chuck Hogan. A história é conhecida para aqueles que sacam que a maior população Irlandesa fora da Irlanda está em Boston, Massachusetts nos Estados Unidos e errados da América. Como tudo de certo do mundo está caído moribundo e quase respirando em alguma parte da terra do Tio Sam, com essa história não poderia ser diferente...

Um rapaz (Ben Affleck a.k.a. Bunda-Man-Que-Tem-A-Cara-Do-Meu-Pai) todo machucado por um passado no mínimo brutal, com um corpão tipo 'papai-esqueci-de-ler-mas-lembrei-de-carregar-esses-sacos-de-pedra-pra-pagar-as-contas-do-mês' cheios de olhares doloridos para cima dos seus amigos que infelizmente são mais cheios de testosterona do que de qualquer massa cinzenta entre as orelhas (Jeremy Renner, Owen Burke, Slaine) acaba se apaixonando por quem não deve: a moça gerente do banco que ele acabou de roubar (Rebecca Hall, a mulher da tela de prata que é como mulher de verdade é). Também pudera. Ela não é só linda (e não é mais 'linda' tipicamente falando do que a vaca loira que dá em cima do nosso herói o filme todo interpretada pela super-duper popular Blake Lively), ela é também... simplesmente simples. Porque não existe coisa mais linda do que notar que alguém é excessivamente real, tão real que deixa a ferida à mostra...

Rebecca Hall e Ben Affleck

Eles se apaixonam o suficiente para que todo o resto pareça inútil mesmo sem nada disso ficar óbvio... sim, caros amigos, viver vale a pena quando amar é o seu único objetivo. O problema no entanto, fica mais embaixo... Ele precisa enfrentar muitos obstáculos: a máfia irlandesa de Boston (leia com sotaque), o FBI e o fato de que a linda da moça não sabe a verdade a respeito do seu grande amado...

O que fazer?

O que fazer é simples, veja o filme. Ou leia o livro. No Brasil-de-meu-Deus, eu não sei como o chamam, acho que ainda não tem em Português de qualquer forma... então esperem o filme e vejam porque, no fim das contas, um cara que era conhecido como a piada bunda de um PAÍS virou um cara grandalhão, com uma mente feita de mercúrio, preparada para se adaptar o suficiente, preparada para não ser mais nada do que a voz simples de um amor maior do que a vida e uma verdade ainda maior do que isso.

Afinal de contas, certas vezes tudo o que precisamos é ir à beira do ridículo da popularidade para que a voz seja entregue a quem nunca conseguiu se expressar porque nunca soube como.


Poster original do filme


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1.10.10

meu pai, paixão e jung - primeira parte


Freud / Jung


Como vocês sabem - talvez não saibam de nada - meu pai era psiquiatra. Tinha um orgulho tamanho disso, mas orgulho maior era sua admiração pelas visões de Sigmund Freud, como se tudo aquilo pregado por ele fosse de fato tudo aquilo que ele precisava saber.

Algumas das minhas primeiras memórias estão relacionadas ao grande quadro de Freud que papai tinha pregado na parede do seu escritório. Quando nos mudamos para o apartamento e após a morte do meu pai, o quadro foi parar no meu quarto... inexplicável mas não absurda a ideia de se ter aquilo que meu pai conhecia como sua explicação maior e mais completa de vida, observando tudo aquilo que fazia quando ali estava. Meu quarto, os olhos atentos de Freud. Meu pai.

Até uma noite em que misteriosamente, o quadro... caiu.

O espanto foi enorme, mas a rapidez com que levantei-me da cama foi quase esclarecedora. O quadro parecia gritar para que eu acordasse, acordasse e deixasse qualquer coisa de lado... ou não?

Meu pai detestava Jung. Não. Vamos ser justos, ele não ia com a cara de ninguém que tivesse qualquer idéia conflitante. Como bom Affonso, apaixonado por qualquer coisa que seja, sua paixão pela clareza quase matemática e bruta a respeito dos tormentos humanos de Freud o mantinha distante de qualquer outra razão ou possibilidade. Afinal de contas, ele já era um senhor cheio de manias e pensamentos cristalizados quando eu, pré-adolescente e obstinada disse 'mas papai, ouvi falar de Jung e de seu conceito de memória coletiva... gostei'. Foi quase um insulto, um tapa na cara.

Como sua filha, a filha mais preciosa, a mais única e a mais querida poderia de fato gostar de... Carl Jung?

A reação foi categórica, ele agarrou qualquer coisa numa gaveta, buscou seus óculos de leitura e fez qualquer sinal para que eu o deixasse quieto. Bingo. Jung era o nome daquilo que o irritava e Jung era exatamente o eu buscava...


TO BE CONTINUED....