19.12.08

porque quando o ar frio soprava com todas as forças de um pulmão sem vida, o ar cortava a mim. cortava a quem caminhava pela mesma calçada, pela mesma rua, pelas mesmas esquinas escuras que passei. porque, sem férias, sem descanso, sem tempo nenhum para se parar e ver, eu via, sentia o cheiro e continuava, quieta, olhando por uma ponte qualquer um túmulo qualquer de gentes mil que sem perceber o eu ali quieto e insensível os jogando o abismo de volta, berravam e enlouqueciam a si mesmos, sem perspectiva nenhuma, sem voltar jamais para casa. porque, sem resposta eu ficava a espreita. qualquer coisa era mais do que nada e o nada era o único que confortava. porque naquelas ruas eu chorei, sonhei e nunca sorri. porque nas mesmas ruas eu me apressei, eu me entreguei, me joguei a qualquer um que vinha na direção contrária. porque, sem mais nem menos, eu me rendi e perdi o jogo, e nos últimos segundos do segundo tempo eu voltei a querer e o querer é o maior dos prazeres. porque, sem mais, sem menos, sem qualquer coisa que se perca eu ganhei de presente de uma cidade inteira o desprezo que me fez ser quem sou, e dessa cidade eu ganhei o amor que eu nunca perdi, ganhei os olhos que eu nunca mais vi, ganhei sonhos que nunca mais me abandonaram. porque dela eu ganhei vida, nela eu quase perdi vida e pra ela que eu canto, todas as manhãs do meu dia.

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