22.7.07

fragmentos...

Então. Era quase meia noite e ele ainda estava acordado.

-Amor, já é meia noite.

-E daí?

O cigarro continuava na boca, apagado. A caneta na mão esquerda, a mão direita coçando o cabelo sujo. Eu estava quieta, esperando o cheiro de queimado do pão na assadeira passar. O ar estava pesado e eu não queria acompanha-lo em sua insônia acomodada.

-E daí que a última vez que você dormiu foi há dois dias atrás.

Ele apertou os olhos tentando extrair algo da sua cabeça - como se aquilo que estava em chamas houvesse esquecido de queimar os quartos dos fundos - enquanto tentava falar consigo mesmo e comigo, tudo ao mesmo tempo.

-É verdade, amor.

Eu tentei mais algumas vezes e desisti. Sempre tento sem muito esforço.

-Vou dormir então, óquei? Você não vem?

-Não! Quer café?

Eu me irritava com aquilo, mas no fundo achava doce e quase infantil esse traço de sua personalidade que foi e que seria eternamente o mesmo que sua mãe costumava reclamar de quando ele tinha dez anos de idade.

-Como vou querer café se vou dormir?

-Ai, desculpa!

Era assim que conseguia a atenção dele, fazendo o pobre coitado achar que tinha feito besteira. Se havia algo que o irritava, era achar que eu estava chateada ou magoada com ele, era um verdadeiro cavalheiro em sua forma mais rústica.

-Que nada... continua o que está fazendo. Depois vem deitar, está bem?

Andei até ele e o beijei. Ele se virou pra me beijar na boca e o cigarro caiu.

-Boa noite.

-Não vai pegar o cigarro?

-Deixa ele aí, quero parar com essa porcaria.

-Ótimo.

Ao me virar ele me puxou de volta pra bem perto. Às vezes ele agia como se esquecesse das coisas, mas fazia isso pra me irritar sendo um pouco bruto e brusco deixando meu rosto quente e vermelho de raiva casual.

-Olha, eu indo já, mudei de ideia, quero dormir com você! Só consigo dormir com você. Espera sentadinha aqui do meu lado.

-Mas eu preciso acordar cedo!

-Então, são dois minutos.

Eu sentei, bufei e o observei coçar a cabeça mais algum tempo. O relógio na parede não fazia barulho e isso me irritava. Queria algo que marcasse o tempo nas nossas vidas, tudo era assim: sem tempo. Sem limites desses que a gente inventa pra poder viver em sociedade. O grande saco do tempo estava vazio e murcho quando o assunto era nós dois. Olhei os pés dele, um sobre o outro, dedos voltados pra dentro como um moleque de cinco anos. Era assim quando se perdia. a sua mão que segurava a caneta estava sobre minha perna. Minha perna estava fria porque estava descoberta e foi quando eu percebi que ele estava sem camisa. Deveria estar com frio. Coloquei as mãos sobre as suas costas mas elas estavam quentes. Passei os dedos pelo pescoço, me levantei e pressionei os ombros, a nuca, mexi em seu cabelo massageando em partes diferentes o seu couro cabeludo. Seus olhos começaram a enfraquecer. A caneta caiu e rolou no chão. As pálpebras finalmente fecharam e ele se apoiou completamente em mim.

Eu me curvei e falei bem baixinho em seu ouvido.

-Vamos pra cama?

Com um pulo ele abriu os olhos, bocejou e se levantou, caminhando comigo até o quarto.

Deitamos e ele me abraçou, dormindo como um bebê. Como eu amo quando ele faz manha pra dormir.