31.7.07

30 de julho, à tarde, num café que não era um qualquer

Era algo em torno de quatro ou cinco da tarde.

Não conseguia me lembrar de perguntar a hora, de verificar a posição do sol e das sombras dos postes nas ruas largas ou de simplesmente carregar comigo um relógio. Sempre fui boa na arte da adivinhação.

Lá estava ele. Sim, ele.

Não era nada cavalheiro, não tinha o porte de príncipe nem aquele delicioso ar de luxúria e delicadeza, não, não... Era sim o café mais sujo da Boulevard! Cadeiras descascadas, chão imundo, cheiro de pão velho e papéis de parede descascados e manchados por causa da constante fumaça das máquinas que não eram bem reguladas há um certo tempo.

Pedi meu café com um certo nojo, devo confessar.

Eu, brasileira, portadora de uma carteira de motorista do terceiro mundo, achei aquele lugar o "ó". Devo ser fresca.

Sentei na mesinha de frente pra porta, a única que encontrei que não tinha meleca de nariz grudada no acento.

Ao meu lado no sofá furado, havia um senhor com seus cinquenta e poucos anos, um caderninho de desenho no colo e uma caneta tipo bic, mas de gringo, desenhando e rindo sozinho. Ah! Ele não tinha dentes na boca. No meio do meu café enquanto escrevia um cartão postal, uma de suas gargalhadas me deu um susto! Pulei da cadeira e olhei pra ele, ele me sorriu um sorriso de "desculpa" e eu não resisti aos olhinhos azuis e cansados daquele senhor - era um senhor porque parecia ter muito mais do que a idade que ele deve ter - e acabei sorrindo de volta pra ele.

Depois de alguns segundos ele verbalmente me pediu desculpas. Foi difícil entender, ele sem dentes, falando meio torto e gargalhando junto... Querendo me contar a história que ele estava escrevendo em seu caderno. Quando me deparei com os desenhos que ele fazia, fiquei chocada. A qualidade das ilustrações era de quebrar a cara dessa cidadã e não poderia deixa-lo de lado. Ouvi toda a sua história... Pouco me importava se ele era um veterano de guerra que enlouqueceu ou só um viciado em anfetamina e outras coisas mais. Queria ver o humano que era quase infantil atrás daqueles olhos sofridos. Talvez, eu pensei, ele tem filhos que o abandonaram em Hollywood. Talvez ele tenha perdido os filhos e a mulher em um terremoto... Talvez ele nunca achou ninguém que simplesmente o ouvisse. Todos esses "talvez" fariam sentido naquele rosto moído.

Quando dei meus últimos passos pra fora daquela Starbucks, olhei para trás e aquele senhor maluquinho estava com olhos cheios de água. Continuava me agradecendo por literalmente ter "emprestado meus ouvidos" - e o meu coração também- e me seguiu com um olhar paternal, até cruzar a avenida.