16.4.07

"Uma lembrança para Josh" - mais uma parte...

O relógio no meu celular marcava seis e doze.
.
No meio daquela multidão que ia e vinha, atravessando a avenida eu continuava prestando atenção na sua figura que permanecia imóvel do outro lado, apenas me observando sem nem mudar a expressão de desacreditado que tinha no rosto. Eu me movimentava pela calçada para não perder você de vista... era realmente um mundo de gente naquela tarde em NY.
.
"Ele não se mexe..." eu pensava. Enquanto tentava decidir se atravessava a rua ou não você se virou e começou a andar rápido. Pronto, estava nítido quem tinha que correr atrás de quem agora, esse alguém era eu.
.
Eu nem olhei muito para o semáforo mas sabia que podia passar, tinha muita gente passando também mas tudo que eu conseguia pensar era porque raios eu não tinha tomado banho antes! Corri para o outro lado da calçada mas você já estava dando a volta na esquina, continuei desesperada te procurando. Você entrou em uma casa escura, um bar que mais parecia um pub. No centro uma mesa de sinuca, um bar com caras mal encarados e muita, muita fumaça por todos os lados, a minha respiração estava tão difícil que eu acho que fiquei semi-inconsciente porque tudo que me faz lembrar desse lugar são imagens cortadas, pedaços de rolos de filme, pequenas fotografias que eu juntei pra escrever isso pra você. Me sentei no balcão para me acalmar e tentar trazer a respiração de volta e tudo foi ficando mais claro. Tinha visto você entrar mas não o via mais, nem na mesa de sinuca, nem pelas mesas onde se via gente jogando cartas e bebendo sem parar e nem no balcão do bar onde eu estava estacionada. Foi quando eu ouvi uma voz de trás do balcão, um senhor com um sotaque meio irlandês e com cheiro forte de tabaco que chegou bem perto de mim, colocando um copo a minha frente
.
"Garota! Tome aqui, por conta do rapaz que te espera naquela sala..."
.
Serviu um copo com McCallan apontando pro fundo do bar. Me levantei sem tocar na bebida e caminhei até uma sala que tinha como porta uma cortina velha e marron, que combinava bem com a falta de luz daquele ambiente tão agradável! Você estava ali, sentado na frente da janela, bebendo e fumando olhando pra mim. Eu não fiz nada e continue de frente pra você. O cheiro de mofo me enjoou profundamente. Não conseguia parar de imaginar aqueles fungos se alojando nos meus pulmões... preço certamente caro pra se pagar por uma aventura que tinha sido no mínimo inusitada. Mas eu estava ali e você tinha me trazido para esse momento e esse lugar sem nem pensar muito e continuava me observando, como um professor que espera o aluno dar a pergunta certa para o problema que ele acabou de resolver. "Por que isso agora? Por que com ele?"... Foi depois de um silêncio ensurdecedor e pesado que terminando de tragar o seu cigarro você se levantou, pisando leve quase sem encostar no chão e chegou bem perto de mim, soltou a fumaça pro lado, me olhou bem nos olhos e sorriu apoiando a sua mão esquerda atrás da minha cintura. Aquela voz rouca e grave sua estremeceu as paredes do meu tímpano e me tirou o chão
.
"Eu odeio cidade grande, odeio essa loucura mas ela me trouxe uma coisa linda, uma lembrança linda... parece que do caos algo tinha que ser concreto... qual é o nome da beleza no caos? Qual é o nome da lembrança que alguém quis deixar pra mim?"
.
Ali eu já não sabia mais o meu nome e pra você me entender tem que descobrir o que acontece com a cabeça de alguém que não entende de sonho se realizar.Você tem que saber de gente que sonha sem esperar e de gente que quer, sem saber porque quer e porque perdeu a chance antes de tentar. Você entende disso? Já sentiu isso antes? Aposto que sim mas nunca detrás dos meus olhos... então minha resposta foi simples, foi mais do que um nome, mais do que uma lista de explicações ou razões pra ter sumido, foi um choro desmedido, quase infantil e que fazia tempo que eu não deixava sair. Tentei segurar, olhei pra outro canto mas você me apertava, me apoiava, me prendia contra você sem pudor nenhum como se me conhecesse há muito tempo. Aquele socorro foi o alívio da minha alma e eu nunca imaginei que sentiria isso. Queria morrer ali mas você também não deixaria, saber quem eu era era mais importante do que meu vazio ser preenchido? Talvez... era provável que eu teria que me segurar e tentar falar qualquer coisa mas enquanto eu chorava você me abraçava mais forte e segurava meu rosto com a outra mão, a compreensiva tarefa de acolher foi sorteada por você quando me viu e eu te escolhi, sem querer você teve que estar ali, naquele instante pra cuidar de mim. Nós nos ajoelhamos enquanto eu limpava o rosto e me acalmava, o cheiro de mofo ficou ainda mais forte e sua compaixão era tanta que ficou emocionado comigo e quando eu vi seus olhinhos cheios d'água eu dei uma gargalhada terrível! Ainda bem que você riu junto e eu falei
.
"Alice, meu nome é Alice."
.
Você sorriu como se agradecesse e eu me levantei te deixando um pouco confuso saindo da sala! "Ah não... denovo não", você deve ter pensado e ficou ali parado olhando para a tal da porta feita de cortina sem entender nada! Sorriu de lado, se arrumou com as pernas cruzadas no chão e apoiou a cabeça sobre as mãos incrédulo comigo e com tudo aquilo. Alguns segundos depois dois pés caminhando na sua direção pararam e você ouviu minha voz
.
"Você não vem?"
.
E olhou pra mim com o rosto vermelho meio de felicidade e alívio se levantando. Te levei até o hotel que estava hospedada, não aguentava mais a sensação de falta de banho e de um lugar familiar, queria me ver livre do mofo e da fumaça que me sufocaram. Você não perguntou nada e eu não expliquei nada. Você me seguiu contente e eu tinha certeza que aquilo era tudo uma grande ilusão, uma grande viagem da nossa cabeça mas já não dava pra te ver e não te ter denovo, você era o meu problema e com esse problema encontraria uma saída.
.
***
.
.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À ALICE SALLES