11.4.07

"Uma lembrança para Josh" - o nome original era "Uma rosa pra Josh"!



Aconteceu quando tínhamos tempo.


Sua fama parecia pedir por isso, atitudes agressivas, cenas públicas de rebeldia, bebedeiras homéricas sem perder a pose, o tal do porte. Sua fama clamava por sua inocência, delicadeza do mundo, perdidamente apaixonado por viver sem ter um grande motivo. Eu sei, te entendo...
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Era logo cedo, por volta de sete da manhã. A neve que tinha derretido era fina e não chegava a cobrir as rodas dos carros estacionados aos montes nas ruelas em volta da grande avenida principal. Vi sua silhueta no café da esquina.
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Toca de lã, preta. Casacão Sherlock Holmes azul marinho, luvas pretas, calças jeans escuras, suas botas de exército, seu olhar apertado. Xícara de café quente na mão, levando algo de vivo aos seus lábios que murmuravam algo enquanto observava a tal da avenida. Você não me viu logo de cara.
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Atravessei passando na frente dos carros, causando alvoroço já que nem olhava para os lados. As buzinas, as pessoas me xingando e as freadas bruscas chamaram sua atenção. Você não podia acreditar! Sim, era eu. Entrei no café, pedi um latte doppio para viagem fingindo não o notar e saí. Senti sua sombra atrás de mim. Via seu vulto me seguindo pelas vitrines das lojas. Sentia seu perfume ainda mais próximo de mim... tanto tempo! Fazia tanto tempo que queria sentir esse cheiro e nunca o quis impregnado em mim com tanta vontade como naquele instante. Sua presença ficava mais e mais óbvia. Atravessava as ruas sem olhar e sabia que você estava amando isso, esse perigo todo sem motivo, essa vontade de pedir para eu parar mas porque? Você nem saberia o que dizer...
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Ao passar pelo segundo semáforo de pedestres fechado para mim você apressou seu passo, parou a minha frente, a um metro da calçada. Um motoqueiro quase nos derrubou e saiu xingando sua mãe e seu pai, indiscriminadamente e com razão...
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"Você vai para onde?"
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Seu corpo todo me paralisou, mas existia um hiato, um vazio que quase pesava, dez centímetros entre meu peito pulsando quente e o seu que mais parecia um torso de herói esculpido por Rodin me protegendo do mundo. Você viu que eu não tirei os olhos dos seus e suas mãos quase encostaram nas minhas. As buzinas eram constantes, as pessoas que passavam mal-humoradas nos recriminando... quando que eu ou você ligamos para algum indício de vícios de cultura medieval? Nunca! E não seria agora que isso aconteceria. Não respondi nada e simplesmente o contornei, dei a volta e continuei meu caminho. Meu café ainda quente em minha mão direita, minha bolsa presa firmemente contra o meu tronco pendurada em meu ombro esquerdo - a única coisa colorida em minha figura, por causa do casacão preto - e meu medo de você ter desistido de me seguir. Continuei em um passo ainda mais rápido, minhas bochechas já estavam vermelhas e quentes e meu cabelo completamente desgrenhado. Virei a direita em uma rua onde sabia que teria um hotel que foi montado em um prédio muito antigo. A arquitetura ainda lembrava os antigos casarões ingleses do século dezoito e o carpete macio, o cheiro de mogno e as pessoas me olhando estranho me faziam sentir em casa, mesmo com o coração a milhão cheguei até a recepção e pedi por um quarto...
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"Seu nome, senhora?"
"Senhora!? Ai Deus! Meu nome? Camille. Com dois eles, ok?"
"Só Camille?"
"Camille... Hartnett. Dois tês no fim."
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Eu peguei a chave decidida mas não tive coragem de olhar se você estava perto. Enquanto entrava no elevador e assistia a porta se fechar vi você correndo em minha direção, tentando abrir a porta mas ela se fechou muito rápido e foi também muito rápida a minha reação. Apertei logo o botão para segurar as portas e abri-las novamente e você estava lá, de pé, aquele mesmo torso meio grego, meio tosco, meio do mundo mas longe de mim. Você entrou, eu soltei o botão e deixei a bolsa cair, você segurou o café frio e o colocou no chão. Trouxe seu rosto bem perto do meu, fechou os olhos e sentiu meu perfume, eu fiz o mesmo com você mas meus olhos estavam abertos, atentos a tudo que vinha de você. Seus lábios chegaram bem perto do meu pescoço, sem nunca encostar me forçando a virar de frente para a parede e continuou sentindo meu cheiro, o calor que vinha da minha pele enquanto eu fechava os olhos sentindo sua respiração na minha nuca...
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A porta do elevador se abriu.
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Você agarrou a minha bolsa, eu peguei sua mão para te mostrar o caminho. Já havia estado ali. Andamos até o quarto, número 1978, enquanto abria a porta você me prendeu contra ela, me trouxe de frente para você, me agarrando jogando todo o seu corpo contra o meu. Ainda me lembro bem do quanto eu não queria ter que ir pra lugar nenhum, só queria você. E era tão óbvio o quanto você também me queria e não importava por quanto tempo. O tempo parou porque também queria assistir esses dois se querendo, numa manhã fria, num dia qualquer...
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Com um certo trabalho consegui abrir a porta, bolsa pro chão aberta espalhando tudo aquilo que faz de mim mulher por todos os lados. Casacos também pelo chão traçando nosso caminho até a cama, mas não deu tempo. Estava tão quente ali que os vidros embaçaram. O que era ainda estranho quando não entendia o que estava acontecendo ficou ainda mais irreal mas dizem que a mágica tem hora certa pra acontecer e que se você pensar a respeito, ela se desvanece como cinzas sobre o mar, como miragem na estrada, como sonho... então resolvi deixar o tato exacerbado da minha pele engolir a sua, o suor seu manchar junto do meu o chão, as poltronas e a cama.
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Não sei mais o que aconteceu. Fatos são só fatos porque alguém sempre os conta, repetindo feitos, histórias por trás das histórias, egos inflados e desesperados em batalhas eternas pelo fato mais bem vivido, consumado e digerido... mas realmente não sei o que aconteceu. Talvez egos não estejam mais em questão no momento mas sei que aquele dia, quando acordei do seu lado precisava me afastar. Olhei em volta e pela janela ainda embaçada via um entardecer lindo, o céu sem nuvens e apenas o sol deixando rastros alaranjados por todo o quarto. Você estava dormindo mas não saberia dizer se dormia profundamente. Seu braço ainda estava sobre meu peito e olhando aquilo tudo me senti uma idiota. O tempo, afinal, fazia sentido e pesava. A história dessa vida ainda me rondava e te olhando tão sereno e tão próximo não resisti, chorei...
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Chorei quieta por algum tempo. Me ardia as faces porque tentava segurar aquele aguaceiro. Minha garganta secou, minha boca travou e eu queria te acordar e pedir pra você realmente saber quem eu era e pedir pra eu poder mergulhar em você e em tudo aquilo que seria muito bonito se fosse história de filme, mas não era. Tirei seu braço de cima de mim, peguei minhas roupas, me vesti de qualquer jeito tentando não olhar para trás. E o choro preso, os olhos embaçados, os passos em falso... antes de pegar meu casaco procurei nas coisas que tinham caído da bolsa papel e caneta, só achei caneta. Você se virou na cama, mas não acordou. Peguei meu lápis de olho e escrevi na janela do quarto que dava de frente para a cama uma mensagem para aquele que tinha sido eu durante uma manhã, um dia ou apenas algumas horas que fizeram me arrepender de ter sido eu ali e não algum alter-ego. Terminei e fui, antes de fechar a porta queria olhar para trás mas não consegui. Saindo do elevador coloquei meus óculos escuros, paguei a diária e pedi para o rapaz da recepção deixá-lo dormir. Enquanto caminhava para a porta giratória ele se dirigiu a mim e perguntou
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"Quer deixar algum recado para ele, Senhorita?"
"Diga que Camille não existe."
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Fui embora e nunca mais voltei para aquele lugar.
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Você afinal não estava dormindo aquele tempo todo. Estava sentado na cama desde o momento que eu entrei no elevador e ainda esperou que eu voltasse olhando para a janela e para a frase escrita nela com lápis preto.
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"O QUE SERIA DE NÓS
SE ISSO FOSSE REAL?
A.S."
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Enquanto procurava qualquer coisa minha pelo quarto que o fizesse descobrir simplesmente meu nome você se desesperou pois não encontrou nada meu e chorou olhando pela janela pensando no tempo que perdeu fingindo estar com sono quando deveria ter pedido para eu descobrir quem você realmente era.
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Josh Daniel Hartnett é ator e nasceu em 21 de julho de 1978 em St. Pauls, Minnesota. Tem os olhos levemente puxados mais lindos que já vi e os dentes separados mais charmosos da terra. Tem uma tatuagem nas costas, atrás do ombro esquerdo e viveu com sua namoradinha de colégio durante anos até que a fama os separou. Fez a porcaria do filme Halloween: H20 e a porcaria master plus do Pearl Harbor. É vegetariano (gracias dio!) sendo escolhido como o vegetariano mais sexy do mundo em 2003.
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E esse texto é realmente um caso de piração da senhorita Alice Salles.
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Obrigada Linda Mercedes Gameiro pela inspiração (por causa do seu tango para George)!
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