1.10.10

meu pai, paixão e jung - primeira parte


Freud / Jung


Como vocês sabem - talvez não saibam de nada - meu pai era psiquiatra. Tinha um orgulho tamanho disso, mas orgulho maior era sua admiração pelas visões de Sigmund Freud, como se tudo aquilo pregado por ele fosse de fato tudo aquilo que ele precisava saber.

Algumas das minhas primeiras memórias estão relacionadas ao grande quadro de Freud que papai tinha pregado na parede do seu escritório. Quando nos mudamos para o apartamento e após a morte do meu pai, o quadro foi parar no meu quarto... inexplicável mas não absurda a ideia de se ter aquilo que meu pai conhecia como sua explicação maior e mais completa de vida, observando tudo aquilo que fazia quando ali estava. Meu quarto, os olhos atentos de Freud. Meu pai.

Até uma noite em que misteriosamente, o quadro... caiu.

O espanto foi enorme, mas a rapidez com que levantei-me da cama foi quase esclarecedora. O quadro parecia gritar para que eu acordasse, acordasse e deixasse qualquer coisa de lado... ou não?

Meu pai detestava Jung. Não. Vamos ser justos, ele não ia com a cara de ninguém que tivesse qualquer idéia conflitante. Como bom Affonso, apaixonado por qualquer coisa que seja, sua paixão pela clareza quase matemática e bruta a respeito dos tormentos humanos de Freud o mantinha distante de qualquer outra razão ou possibilidade. Afinal de contas, ele já era um senhor cheio de manias e pensamentos cristalizados quando eu, pré-adolescente e obstinada disse 'mas papai, ouvi falar de Jung e de seu conceito de memória coletiva... gostei'. Foi quase um insulto, um tapa na cara.

Como sua filha, a filha mais preciosa, a mais única e a mais querida poderia de fato gostar de... Carl Jung?

A reação foi categórica, ele agarrou qualquer coisa numa gaveta, buscou seus óculos de leitura e fez qualquer sinal para que eu o deixasse quieto. Bingo. Jung era o nome daquilo que o irritava e Jung era exatamente o eu buscava...


TO BE CONTINUED....