"Expresso a mim e a ti os meus desejos mais ocultos e consigo com as palavras uma orgíaca beleza profunda" - Clarice Lispector
Luí arrumava as cortinas que teimavam em esconder os cantos das janelas emolduradas, eu tentava encontrar qualquer coisa que me provasse que aquilo não era um truque de Luí, alguma armação para me fazer acreditar que estávamos simplesmente embarcando nesse ato criminoso ao invadir a casa de alguém. "Já olhou a geladeira?", a geladeira? Para que? "Veja o que tem lá". Desconfiada fui até o canto na cozinha improvisada e notei que por toda a porta fotos presas por imãs ali permaneciam, imagens colecionadas por qualquer um que fosse aquele que ali morasse. Bem no centro Luí sorria com um copo qualquer na mão, ao seu lado uma garota, a mesma presente em todas as outras imagens. Eles pareciam felizes, logo ouvi seus passos chegando perto. "Pois o que achou por aí?", Luí, quem é essa mulher? "Qual mulher?" essa, a que está contigo nessa foto? Ignorando a pergunta, Luí foi direto à parte interna da porta onde algumas garrafas de vinho estavam a fácil alcance, ele já sabia bem onde encontrar o que. "Essa...mulher é minha irmãzinha menor. Marie." Marie? Você tem uma irmã que se chama Marie? "Tenho! Porque a surpresa?"... Eu achava que você não existia. Quem não existe não tem irmã.
Um gole e ele finalmente sorria. "Pois eu não existo, Manú". Fazia tempo que não me chamava pelo meu nome e quando o ouvia assim meu, mesmo que por pouco tempo - mesmo porque o tempo era razoavelmente intolerante, ele teria dito em algum momento - algo era devastado novamente por dentro de minhas artérias e essa sangue contaminado era levado ao meu peito. Mais rápido do que qualquer nutriente que faltasse e com mais certeza do que qualquer vírus ou bactéria, meu coração era tomado por essa moléstia. Meu corpo se contraia por si e se revirava por ele. Seus lábios chegaram bem próximos dos meus enquanto sentia o cheiro forte do vinho que estava em sua mão... Que tipo de francês é você, que bebe o vinho direto do gargalo desse jeito? "Um dos melhores que há, mademoiselle Manú..." Naquela noite estaríamos bem servidos na casa da irmã de Luí - pelo que me parecia ser. Marie deveria ser feliz, não saberia dizer, mas nada arrancaria dele hoje a não ser a roupa, os sapatos e o relógio. Ah, havia esquecido de contar do relógio de Luí, ele estava sempre parado: a hora de escolha? 22h22.
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