2.9.08

gánii


ela tinha uns olhos amendoados e apesar de serem levemente traçados para observar com rapidez e atenção, denotando um ar de realeza e incrível contentamento com a vida, seu olhar era de uma tristeza que cortava. ameaçava quem a olhava e quem a queria. seus passos eram curtos, como quem teme pisar muito longe de seu ponto de partida, e a partida, como tudo em sua vida, foi uma repetição de tragédias, como as de todos os membros de sua tribo que algum dia viveram livres e sem amarras nos pés, sem números que os reconhecessem, sem leis escritas na areia mas no peito. na cor forte de suas tintas, de suas peles e seus lábios. ela ficava imóvel e observava, não tinha tanta força mais, era uma e desde sempre aprendeu que ser apenas uma era ser fraca. se arrumava com ornamentos preparados por suas próprias mãos, que aprenderam a criar cedo e que criavam para si e para quem amava mesmo sem nenhum branco ter a ensinado a amar. amava, como amava e queria tudo de volta, quando seu olhar não era tão assustado, tão retido em pequenas gotas que não sabia que existiam antes de entrar naquela sala, mas sem voltar atrás entrou, com medo e sem volta, com olhares ferozes prontos para a agarrar caso não o fizesse e talvez sem nenhuma outra escolha, entrou. no centro algo negro, estranho e como haviam avisado, algo que levaria todos seus sonhos e o que existia de mais puro seu para longe dali. aquele, que usasse aquele tal objeto estrondoso e de uma certa forma magnânimo teria sua vida em suas mãos, e sem mais nenhuma fé ou até dor ela o encarou. como quem encara a morte iminente e assistida diante uma cadeira elétrica. ela deixou que roubassem sua alma e se aquietou para viver o que a carcaça ainda tinha para viver, longe dali.



*hattie tom era seu nome e sua história é uma incógnita, essa foi a minha forma de a entender melhor, imaginando-a encarando a máquina fotográfica usada para que sua imagem fosse capturada. gánii significa "você já sabia" em apache que era a tribo de Hattie.