22.3.07

naquela tarde de domingo

ele gentilmente cede ao desejo dela e deixa com que ela se aquiete. ela deve ter muito para falar, ele pensa. ela deve ter uma centena de coisas pra arrancar desse peito. enquanto pensa a respeito ele apóia a sua cabeça sobre sua mão esquerda e a observa com um sorriso meio de lado, meio acanhado favorecendo a beleza sutil daquela menina que não é mais tão distante dele como costumava ser no começo, agora ele confia nela e nem sabe o porquê. ela não percebe o olhar dele ou finge não perceber e continua lendo o seu livro babel da patti smith que pegou emprestado dele. depois de alguns minutos a observando ele dirige sua palavra a ela
"você está gostando, pequena?"
"que engraçado você me chamando de pequena!" - ela solta uma gargalhada muito gostosa e coloca o livro na frente do rosto, ele ri junto dela puxando o livro para a mesa e diz:
"é porque você é tão grande, tão mulher, mas é minha nova amiga, nova em todos os sentidos!"
"eu tô amando, querido. aliás, é você que é o meu pequeno! desde quando eu era do tamanho da sua filha, sempre achei você tão pequeno..." - ela tinha vivido tão pouco, ele pensa ainda segurando a cabeça com sua mão esquerda, e ao mesmo tempo parecia que tinha vivido séculos e assistido aos grandes concertos daqueles que eram heróis para ele, ouvido as canções dos caras que já tinham virado pó!
"é que eu sou pequeno né? todo mundo vê..."
"é verdade... pequeno! você gostou muito desse livro?"
"nossa!" - com a empolgação para falar a respeito do livro ele se arruma na cadeira e abre os olhões em êxtase! - "esse livro me ensinou a amar! é como se na minha vida tivesse um marco chamado babel. a.b, d.b.! é incrível, tenho certeza que será um marco para você também, ainda mais porque você escreve."
"é verdade e eu acredito em você, nas coisas que você viveu, acredito um pouco cegamente até, mas acredito de coração."
"a gente sempre acredita cegamente em alguém..." - assim que pensa no que disse ele hesita, olha para as suas mãos, para os seus dedos longos, pras suas veias e para a pele sardenta e manchada que ele cultivou durante seus anos de vida e conclui - " mas não acredite cegamente em mim. deixe com que esse cargo seja pra alguém mais iluminado do que eu...."
"não fale isso! você é a própria imagem do iluminado do subeterrâneo de kerouac! você já foi eleito, pequeno!"
"você é muito gentil..."
"você que é... eu sei que é."- ele volta a apoiar a cabeça sobre a mão e com a outra segura firme o pulso dela que descansava sobre a mesa de madeira velhinha da varanda dele. ela sorri como uma criança ouvindo seu pai e ele fica absurdamente emocionado e grato por aquele sorriso, de repente ele sente os olhos um pouco marejados e encabulado ele se levanta e vai para dentro, mexendo com qualquer coisa na cozinha. ela fica ali mais alguns intantes para dar tempo para ele secar seus olhos, se levanta e vai até a cozinha, ele a vê e sorri mas volta a cortar os pedacinhos de queijo em quadradinhos pra colocar na salada. ela para alguns momentos para observá-lo e então o abraça de repente sussurrando no seu ouvido:
"seu coração é muito lindo, eu o vejo através do seu peito... obrigada por guardar um lugarzinho nele ali pra mim, tá?"
e assim eles ficam por algum tempo, como uma filha e um pai, abraçados de frente para o balcão da cozinha.

lá fora a brisa do mar movimenta os sinos de madeira naquela tarde serena de domingo.