11.11.08

Motivos pra se deixar ser - Parte III


O telefone tocava alto, mais alto do que o que sonhava. O desassossego havia batido à porta. Ao atender, ainda pasmado, enrolava a língua que sem muita consciência embrulhava palavras sem permissão, balbuciando algo de tal forma que fazia quem estava do outro lado não saber o que pensar a respeito. Depois de algumas trocas de qualquer sinal que fosse que o tirasse daquele estado meio morto-vivo, semi apático em que se encontrava, a voz o pareceu mais familiar. Mais inteira. E era o que era, inteira ela, a quem ele desesperadamente esperava para que por alguns poucos minutos pudesse ter mais do que tempo para trocar o que sentia. Queria a ausência dele. Era ela.

***


Enquanto tomava um banho quente, que espalhava aquele calor fino por toda a casa por causa da elevada temperatura do seu chuveiro, a porta da frente se abria calmamente. Botas surradas tocavam suas solas pelo assoalho notável daquela casa. Era realmente mais do que ela esperava ver. Os passos chegavam mais perto, mas desatento ele terminava de se vestir calmo. Ela aguardava de pé, da mesma forma que chegou parou, no meio da sala, sobre o chão maciço tão pesado quanto ela se sentia ser.

***

O cabelo ainda molhado marcava a camisa na altura dos ombros e sentindo-se enjaulado descia as escadas às pressas, na mesma urgência que pressentia que estaria perdendo tempo, e estava. Ela estava ali, muda. Casaco nas mãos, bolsa no ombro esquerdo - sempre no ombro esquerdo - olhos contornados com força, quase com brutalidade, lábios cerrados como os tinha quando se conheceram... Era uma dor e um prazer revê-la. Era um fim qualquer que não se dava conta ainda, mas sentia, era palpável, afiado. Ele sorria. Ela o encarava. Ele se movia até ela que, sem reação o observava quase fria, quase se não fosse pelo vulcão que entrara em erupção ao passar pela porta mas que se continha como gostava de achar, ele não acreditava.
Antes de chegar mais perto ele parou e disparou a olhar quem quieta estava ali, a sua frente, resumida, e se colocou a sorrir, ela hesitante perguntou "o que está a fazer?", ele sorria. Ao chegar ainda mais perto sentiu o perfume e a abraçou, prendeu os braços em volta do seu tronco forte e austero, confortante. Seu peito era o seu fim, sentia isso. Ajoelhava-se enquanto beijava seu ventre, ela então o acariciava os cabelos como uma mãe contente, mexia em suas orelhas, arranhava com delicadeza a nuca de pele fina e macia, o amava de perto então.


...CONTINUA...