21.10.08

despótico.


"ele me disse... me contou que desceu até o rio e com as roupas que usava, num dia quente de verão entrou na água até ser coberto por ela. antes, ele encheu seus bolsos de pedras e qualquer detrito que encontrava no caminho até ali. me contou que considerou voltar e gritar por mim, mas desistiu pois eu estava tão longe que demoraria mais para sua dor desaparecer. ele me anunciou que, apesar do sol, sua pele continuava pálida e suas unhas ainda não cresciam, ele as roía até não ver a cor transparente de cada uma delas, que o lembrava que ele também precisava de qualquer coisa que mantivesse transparente, translúcido e eterno. tão eterno que se morresse continuaria a crescer nas vidas de quem ele deixou para trás. ele ainda não sabia disso e se jogou na água. ela que estava fria, como ele estava pois havia drenado todo o calor que existia dentro dele. tão fria quanto seus olhos que, durante todo o tempo, permaneceram abertos enquanto a água e a falta de piedade dela o cobriam de uma cegueira momentânea, uma que além de ser cegueira era esclarecedora, era luz onde a luz demora para chegar, mas quando chega banha tudo com a mesma delicadeza que falta na hora de sufocar. ele sufocou e disse que ao sentir-se afogado, a asfixiação de um sonho o entregou tudo que precisava ter de volta e logo que percebeu o que fazia, com o fio do fim de forças que o restava, voltou à tona e da tona respirou novamente, o mesmo ar que antes o fazia sofrer, que o cortava os pulmões, que regava o cérebro com aquela odiada consciência.

com as roupas molhadas e os bolsos ainda carregado de pedras, ele caminhou de volta, para me encontrar seca de tanto chorar em sua porta.
a noite caiu fria e eu o condenei por se condenar demais."


pintura de John Grimshaw