4.2.09

a devoção segundo consta... - erro




estremeci de extremo gozo como se enfim eu estivesse atentando à grandeza de um instinto que era ruim, total e infinitamente doce - como se enfim eu experimentasse, e em mim mesma, uma grandeza maior do que eu. -Clarice Lispector










... Me perdoe, não posso ficar. -- Era certo que entenderia. Entenderia? Eu teimo em responder minhas próprias perguntas, mas é por hábito entende? Como se um grande vapor qualquer fizesse difícil a tarefa de dividir. Umcalorzinho bem único que naquela sala profeta, cansaria de me desunir, de me entregar tão facilmente a alguém que de certo modo nunca me teve. Era parte de mim e uma anomalia, seria bom mas... constantemente sem realce pois era eu e não era. Um alguém encontrado na rua, como lixo, virado em folhas de histórias em comum, de vontades semelhantes, de senhas e lábios ímpares. Eu cresci junto dele mas não poderia ficar. Logo me veio uma ideia, algo que retomou minha atenção: pensei em quantos passos dava da escola até minha casa. Eram muitos, não me lembrava bem quantos. Um rapaz qualquer havia acabado de perder suasestribeiras na rua, corria de dentro de um restaurante próximo a quadra cheia de casinhas simples, o tal do morrinho onde vivia, gritando coisas quase incompreensíveis, dizendo que o disco riscado o obcecava. "É o fim dos tempos, dos tempos! Ninguém mais ouve? É o fim dos tempos", com seus olhos diante da ruína que seu mundo não suportou, perdi minha conta e os números que, por alguma razão ofuscavam meu entendimento reagiram a tamanha negação vindo de minha atenção que até então era plena. Reagiram firmemente, como um general das tropas inimigas. Trégua! Pedia em prantos, mas os números não ouviam, continuavam a me perturbar bêbados, um grupo deinsones a me distrair, aceitei mas nunca me recuperei daquilo, da onda fúnebre que aquilo me jogava contra. E o homem fora de si? Não notei. Não sei onde foi parar e bem sei que não me preocupo. Se minha loucura nunca foi tomada como algo a ser pesquisado e levado ao publico, não deveria me preocupar com a de outrem. Ou é o que qualquer coisa que fosse meu instinto me contava ao pé do ouvido, como um sopro fino, irreconhecível a não ser para mim mesma. Voltava aos olhos tristes de Luí, "como assim?", eu tenho algumas coisas para fazer, "bobagem", pare de repetir a mesma coisa Luí , "eu não repito, você que repete as mesmas coisas indecisas, retrógradas, mornas... para que você quer ser morna, me diga. Pra que?". Me encarava com culpa e alguma raiva nos olhos quase afilados, deixava, "me dê um dia", pra que? "pra te provar", mas o que você quer dizer com isso? "é isso mesmo, pra te provar que desse fundo não há saída", e o que devo dizer a quem me espera?, "que não diga nada, não perca tempo com palavras soltas, com meias mentiras, com fino trato... seda rasgada, com redundâncias, com visões eloquentes, com toques...", mas não é nada disso que preciso para manter minha vida lá fora possível, "então do que é? do que poderia ser?" ... "não vai me responder?", não sei o que te responder,Luí , "é porque não tem nada que te segure lá, nessa roda gigante de restrições, o mundo é do jeito que é por um motivo: somos o seu maior medo". Calei-me. "Cansou?" de que? "de tentar me convencer a deixar você sair... " talvez. O sol naquele mesmo instante foi capaz de um grande ato de nobreza, seus tons quase envenenados desapareceram. A fraca e esbranquiçada chama que ainda pairava dentro daquele quarto esticava o poder deLuí sobre mim, aceitei. "E agora me diga, acha mesmo que fui eu quem te fiz perceber o que acabou de acontecer?" - um trago daquele cigarro fazia com que seus olhos estremecessem sem razão - não, "não?", fui eu mesma. Calou em um sim. O sim dilacerado no sorriso hermético. Dentro dos seus braços eu fiquei enquanto o cigarro queimava em uma de suas mãos, "o sol," o que que tem? "o tenho em minhas mãos".


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