25.6.07

A História que guardei no seu bolso


Ela estava de pé, a alguns metros da porta semi aberta. O vento lá fora parecia ser o mais forte dos últimos tempos. A música tocando ao fundo a lembrava de filmes antigos, de repente a imagem de Daniel Day-Lewis observando Juliette Binoche dormindo surgia como um flash-back em sua mente. Ele deveria abrir aquela porta a qualquer momento. Ela encostou a cabeça na porta do armário de casacos, ao lado esquerdo da porta que como havia previsto, começara a abrir. Ele estava lá e lentamente arregalava os olhos encontrando os dela que sorriam para ele. Ele sorriu de volta e entrou na casa, deixando o vento forte do lado de fora.

"Nunca vi ventania assim por aqui..."

"Acho que você a trouxe enquanto bufava no caminho."
"Talvez. Preciso falar com você."

"Acabei de preparar café. Vem comigo."


Ela seguiu a sua frente caminhando até a cozinha impregnada com cheiro forte de café e torradas no forno.

"Mmm, azeite e orégano. Básico, delicioso."
"Era só pra mim, não sabia que você estava a caminho quando coloquei as torradas no forno."
"Você sabia que algum dia eu apareceria."
"Sabia sim."


Enquanto ela servia o café, ele se sentou olhando pela pequena janela que dava para a casa vizinha. Alguns potes de violeta enfeitavam a visão de quem estivesse lavando a louça. Ela se sentou ao lado dele, adoçando seu café empurrando a bandeja de torradas para ele. Ele não quis, movendo a cabeça para os lados, observando a xícara imensa de café posta a sua frente.

"O que queria falar pra mim?"

"Muitas coisas."
"Comece pela primeira, então."
"Não dá. Preciso falar tudo de uma vez."

"Então fale..."
"Não sou bom nisso."


O vento lá fora ficava ainda mais forte e ela começou a se preocupar. Levantou e fechou a janela, foi até a sala de estar e ligou a televisão.

"O que você está fazendo?"

"Quero ver o canal de notícias. Vai que tem alguma coisa acontecendo e nós não sabemos..."

"Deve ser um tornado por aí!"

"Não brinca! Aqui nunca teve isso!"
"Pois é... Está tudo mudado..."

Ela ligou a televisão no canal onde falam aqueles repórteres que ele odeia. Odeia cada som que eles emitem. O rosto dele começou a se fechar e acabou tomando todo o café em um gole só. Ela ficou espantada e sentou ao lado dele novamente, deixando a xícara de lado e segurando em suas mãos. Ele respirou fundo enquanto buscava coragem em algum lugar de seu corpo todo pra falar aquilo que queria falar. Não havia palavra pra começar e ele decidiu ser breve.

"Não sei como, mas você de algum jeito... me libertou."

Continuava meio inseguro ao dizer isso e a observava agora com mais medo. Seus olhos contornados por aquele preto intenso que gostava de usar não saiam de cima dele. Suas mãos macias não largavam as mãos dele.

"Tudo o que li lá era feito pra mim, parece. Literalmente."

Ela continuava o ouvindo com atenção, mas ele já estava olhando para outra direção e tirava suas mãos duras e ásperas das dela.

"Você fez tudo de propósito. É o que me parece."

Enquanto ele falava, algum daqueles repórteres que ele odiava falava sobre o clima. O semblante dela havia mudado.

"Espere."

Levantou-se da cadeira e foi até a sala, ele apoiou sua testa sobre as mãos e respirou profundamente retomando o fôlego. Não ouvia nada, apenas seu coração batendo num ritmo alucinante. Suas mãos suavam frio. Ele percebeu que ela estava voltando e levantou o rosto para olhar em seus olhos.

"O que era?"
"Queria ver se alguém falava de algum tornado na região, mas é óbvio que não é nada disso, e a ventania toda parece estar diminuindo..."
"Bom..."
"Continue o que estava falando"
"Era isso."
"Que o que eu escrevi te libertou?"

Ela parecia confusa e não havia entendido bem o que ele queria dizer. Serviu mais café pra ele e novamente empurrou a bandeja de torradas para o seu lado, sendo novamente rejeitada pelo seu amigo.

"É... Exatamente. Você sabe o que fez, não sabe?"
"Não sei, amor. Fiz, realmente, pensando em você."
"E foi perfeito o que fez, obrigado. Vim para agradecer, mesmo. Obrigado"

Nesse momento a campanhia tocou. Ela parecia não ter sossego! Xingando alto ela se levantou e pediu que ficasse ali porque ela já voltava. Ele ouviu o som da porta se abrindo e a voz do seu marido entrando, velho amigo de luais e encontros musicais... Ela explicou em voz alta para ele o que o amigo deles fazia ali, enxugando as mãos na toalha da cozinha ele se levantou e o casal entrou pela cozinha, ele com um sorriso enorme, ela quieta segurando seu casaco. Os dois se abraçaram como velhos amigos se abraçam depois de anos de desencontros. Ela os observa e se perguntava como conseguia amar tanto assim dois homens completamente diferentes e únicos.

O vento lá fora voltou a assusta-la.