16.6.08

desprevenida




me sentei desconfortavelmente confortável diante dos dois rapazes que desapercebidos tocavam suas primeiras notas. digo desconfortavelmente confortável pois sentei-me da maneira que pra mim e a mais confortável de todas, costas eretas, pernas cruzadas e mãos postas uma sobre a outra, ambas sobre a coxa, mas fiquei desconfortável pois a minha volta todos me olhavam e seus olhares diziam "porque ela e tão esnobe a ponto de se sentar assim?". digo rapazes desapercebidos pois percebi logo de cara, delicadas frustra
çoes a caminho, especialmente sobre o menino do canto esquerdo, que tocava cabisbaixo, mas com um amor tão forte por aquilo que fazia que me trazia lágrimas aos olhos, mas não poderia ceder a minha imagem de esnobe grã-fina brasileira, afinal não e exatamente o oposto que o mundo espera de mim?

descruzo as pernas e as deixo soltas, tento curvar a coluna, mas não há maneira de me sentir bem, volto ao meu nariz empinado dado grato a mim e ao show de uma pessoa só, acompanhada de um fantasma que não percebe o tesouro que tem ao seu lado.
chega o momento do intervalo e o menino sai e vai fumar la fora. pego minha xícara de café e vou sentar ao seu lado.

-meu irmão não veio.


eu já sabia que ele estava esperando gente que nunca chegou.


-seu irmão falou que vinha?
-sim, confirmou! mas acabou de dizer que surgiu um imprevisto.

a noite vai ficando mais densa, e o cigarro do rapaz mais brilhante.


-meu pai avisou-me que se eu tocasse novamente, que eu não esperasse por ele.
-disse isso?
-sim!

-mas seu pai e horroso!

-sim, eu sei.


de dentro ouvíamos risadas e mais risadas, pessoas conversando sobre coisas extremamente inúteis.


-sabe o que e mais engraçado?

incrédula de que qualquer coisa que tenha me dito ate então era engraçado, perguntei:

-o que?
-muitos amigos meus, que também tocam, e que eu faço questão de ir aos shows e apoiar, nunca vieram me ver.


minha garganta ficou seca e a ele pouco importava meu nariz empinado. coloquei a xícara no chão, ao lado do banco e apenas observei as folhas na grande e antiga árvore que estava a nossa frente, grande sombra nessa noite de sombras. ele se levantou, levou o cigarro ate um cinzeiro que ficava do lado de fora aos clientes e o apagou, parou de frente pra porta, de costas pra mim e disse quase baixinho demais:

-já estou acostumado.


e minha pose se desapossou de mim.


***