15.5.11

pai.


***

Eu não entendia o porquê, depois da siesta uma meia hora sentado ao lado do equipamento de som antigo sintonizado na estação de música clássica. Jornal lido da manhã sobre a mesa de centro, sapatos impecáveis, restinho do cabelo que sobrava na cabeça bem escovado, ombros largos, tão largos que era difícil de alcançar com os meus braços ainda curtos.
 
Contestava. Eu contestava o porquê da música clássica, do sapato impecável, da roupa sempre bem passada. Contestava o porquê da posição politica tão bruscamente removida do que antes era o seu bem maior.


‘É diferente por causa daquilo que ainda é meu bem maior'.


Centenas de pessoas que ajudou durante a vida, advogado de causas nobres, perdeu a vontade de cobrar, aceitou ser tomado conta calado, esperou por milagres infindáveis, se orgulhou inúmeras vezes da minha personalidade independente, mas quando a independência mostrou a tendência subversiva (pelo menos dentro de casa) de se jogar a favor de uma cultura que era sinônimo de inferno, o mundo caiu. 


Não entendia o inglês, não conseguia falar o nome do rapaz de cabelo comprido no poster do quarto. Perguntava pela razão da minha depressão, pedia pela minha ajuda sem me explicar o que sentia, calava com um tipo de dignidade única que nunca mais encontrei em ninguém. Não mostrava dor, só mostrava carinho, o tempo todo, com todo o mundo.


Com todo um mundo.


Quem pode dizer isso? 'Meu pai só tinha carinho por tudo no mundo?' Eu posso.


Eu posso.


Feliz aniversário para alguém que fez da expectativa um estilo de vida. ~~