27.9.10

sobre o calor



- Cansada. Seus lábios pesavam irreverentemente, a pele transpirava como se a dor de se carregar todo o desejo do mundo não fosse incrível o suficiente. Como se tudo o que se deseja não fosse nunca o suficiente.

Ele notava o coração palpitante no pescoço, a pele ainda eriçada. Percebia a respiração aparentemente calma que com angústia revertia o pequeno nariz dispendioso em templo temporário. Gostava do olhar pesado que ela sempre teve, um peso de tudo aquilo que encharca sem deixar derramar.

Ela não deixaria derramar, não para qualquer um.

Duas pernas de fora e um calor de se rasgar a roupa por alívio. Suas duas pernas que andariam o que fosse por ele. Ela de fato nunca admitiria... duas pernas prontas para largar tudo por ele e pelo suor do seu corpo. Ela, toda pronta para confundir-se com a química do suor dele...

As mãos nervosamente procuram pela página perdida no devaneio.

(Sonhar tão grande e grave deveria ser coisa para algum quarto escuro...) -



23.9.10


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fotos novas... aqui.


21.9.10

delirar é


-- gosto do toque dos dedos contra o vidro da taça que é liso, que me lembra de tudo aquilo que desliza, de tudo aquilo que manipula o espaço para que a forma seja o único conteúdo que prenda um corpo... ao outro. --



12.9.10

escrevi não faz tanto tempo...



-A Página Em Branco. Escrevo Assim Porque Assim Enche Mais O Branco. o assim que sem ter muito a ver com o branco o preenche. EntendE? Com a mesma violência com que Jamie toca qualquer coisa que toca, o meio fio fica a mercê de qualquer coisa que seja. Eu estou a espera, qualquer coisa em primeiro lugar, em segundo vem eu. Terceiro é quem vem em primeiro, e o grande e imenso véu que cobre os olhares secos também esperam por água, ÁGUA, gritam, esperneiam. A areia cobre até os mais miseráveis dos milionários. Todos comem da mesma terra. Todos Comem Da Mesma Terra. Assim encho mais o branco que já não é mais tão branCO assIM. Pois a mulher que me é vive quieta no retrato. Ela está a espreita de qualquer coisa e eu aceito. Aceito alegre pois feliz seria impossível de se aceitar qualquer coisa. Teimo em sair enquanto a neve cai e cobre quase tudo descoberta, é a verdadeira descoberta do ser pequeno. Do ser indiferente. Eu sou indiferente a mim mesma e no entanto ainda prezo pela minha frequente vontade de me criar, criar? Me criar mais. Me regar até que as raízes possam facilmente criar mais e mais filhas até que alguém desprovido de intento arranque-as da onde for que tenham mantido moradia. Assim fico feliz. A música tocA. Toca oca e toca redonda. Porque todo oco é redondo? Minto. Você mente. O oco não é redondO. É ocO. É o osso dentro de um tal osso que responde ao chamarem pelo nome oco. Alguém arrancou meu sorriso, pregou na parede seca, tão seca quanto a minha garganta oca. Nessa parede não existem palavras que expressem a falta do meu sorriso na área mais frágil do meu corpo, é oco. O tal do osso... ele ressona íntimo, quase meu e aceito, alegre porque feliz não se aceita viver. Feliz não é, nem nunca foi. Feliz sempre será. O dia não sorri porque quem quer que disse pela primeira vez que ser sol é ser inteiro estava equivocado, as flores não cantam, choram e a noite tão contida e intensa se derrama por si. A Lua É Inteira Como É InteirA A noitE quE A cobrE poR fiM.-



10.9.10

por fim, enfim



enquanto cor e enquanto força, a marca do peso quase leve demais perdia a pureza e o resultado era a fome. a fome para que o gosto não se perdesse por completo. para que as marcas na sua história não fossem tão passageiras quanto as que já se apagavam do corpo.

enquanto tempo, ela não o dominava e nem pedia por mais. 

ela queria menos. 

menos espera nessa sala cinzenta e com cheiro de incerteza que tão bem conhecia.

mas enquanto esperava, rabiscava qualquer coisa num pedaço de papel. seria o rosto dele? ou um nome quase esquecido que ainda vagava pelos seus sonhos diários, um tipo com um ar de problema e recompensa maior do que a espera, mais aguardado e menos impossível de se obter do que a paz mundial, mais relevante ao seu mundo de cubículo em romance clássico do que qualquer outro mundo infantilizado ou estilizado de suas companheiras de sala de espera...

era. era ele por fim.

um nome. ela tinha algum nome escrito num papel, enfim.



***


*foto: aubrey no fígaro, por moi.

2.9.10

o homem da razão





'o que é isso então?' foi a pergunta que estraçalhou todas as incertezas que ele carregava nos ombros naquela tarde fria.

'um nada. para que algo tem que ser qualquer coisa?'

mesmo sem querer ele queria não querer e isso sem dúvida alguma era a dúvida que ela representava. 

a dúvida. porque ela sempre perguntava e respondia com a negação em mente? 

porque era mulher, uma mulher de pele tão feminina que todas as flores da estação revidavam com o mesmo vigor quando ela passava... as cores desavisadas revidavam em tons mais quentes, as dobras e cantos das pétalas se rebuscavam incandescentes num ato de pleno desespero e medo de perder suas posses, as folhas envergonhadas rejeitavam o vento e as árvores... bem, as árvores observavam quietas mais uma rival móvel, enfeitiçante e enfeitiçada como o vento que não fazia mais do que passar e partir... para nunca mais ou para talvez amanhã cedinho.

era mulher. a mulher que era a dúvida.

'e porque tamanha dúvida? por que não acreditar no que não se tem razão?'

'porque de falta de razão quem entende sou eu, e tudo o que eu quero saber de entender agora é de você... razão aparte de mim que quero ter... para mim.'

o vento soprava quase infértil...

'porque o vento é homem da razão..'


***



*imagem Alice & Jo do filme 'dans paris'.